Às vezes ando porque estou com a cabeça cheia de coisas, e andar me ajuda a encaminhá-las. Solvitur ambulando, como dizem em latim, solucionar caminhando.
Quando a Fósforo anunciou a publicação de Flâneuse, da Laura Elkin, logo coloquei na minha listinha de desejados. Eu esperava uma narrativa linear, com detalhes sobre o conceito de flâneur e argumentos sobre como as mulheres foram excluídas dessa perspectiva. Mas a expectativa pode ser a ruína de uma leitura e quaaaase foi o caso desse livro. O texto da Laura está longe de ser linear ou de aprofundar conceitos. Para defender a ideia de que a flâneuse sempre existiu nas artes, ela apresenta ensaios independentes sobre sua própria experiência e a de artistas mulheres que encontraram inspiração caminhando e observando as cidades.
Mesmo diferente do esperado, o livro me fisgou com a possibilidade de conhecer artistas como Jane Rhys, perambulando angustiada por Paris em sua obra; Aurore Dupin, que assumiu o pseudônimo George Sand e trajes masculinos para conseguir transitar livremente e publicar; Martha Gellhorn, fotógrafa, correspondente de guerra e incapaz de se prender a um só lugar; e a mais absurda e também minha favorita, Sophie Calle, que aparece perseguindo um desconhecido de Paris a Veneza e anotando todos os seus passos, o que resultou no livro Suíte Venitienne. Além delas, Laura também aborda a obra de artistas mais familiares, como Virgínia Woolf, em Londres; Agnés Varda, em Paris e Joan Didion, em Nova York.
Não nego que o texto tem seus problemas. O principal, talvez, seja o entusiasmo exagerado com cidades europeias e a falta de boa vontade com Tóquio. No capítulo sobre o tempo que a autora morou Japão, o incômodo com a resistência a se inserir na cultura local é inevitável. Acho curioso como pessoas de culturas hegemônicas não são tããão abertas à diferença quanto tentam fazer parecer.
De toda forma, o saldo é positivo. Foi muito gostoso o tempo que passei com esse livro. Também tenho um crush enorme por andar (embora não pratique tanto por motivos de relevo pouco amigo das flâneuses), ouvir conversas, avaliar a fachada das casas e prédios e catalogar o que abriu e fechou pela cidade. É bom lembrar que boas ideias/inspirações podem vir de lugares que não sejam uma tela.
Que bom que essa leitura foi diferente do que eu esperava. Ficou melhor assim.
A foto de capa e sua história:
Entrevistada no Today Show, da NBC, em 2011, no sexagésimo aniversário da foto [a mulher retrada] declara: “Não é um símbolo de assédio. É um símbolo de uma mulher num momento de absoluta e maravilhosa diversão.” Pois a mulher cujo nome Ninalee Craig, mas que naqueles dias se apresentava como Jinx Allen, era estadunidense, tinha 23 anos, e viajava sozinha pela França, Espanha e Itália.A fotógrafa, Ruth Orkin, também era uma estadunidense na casa dos 20 anos, viajando por conta própria, vivendo sem um tostão, mas adorando cada minuto. A foto foi tirada num dia de trotar pela cidade com uma câmera, enquanto Orkin tirava fotos de Jinx apreciando a vista, fazendo perguntas, pechichando os preços e paquerando nos cafés. […] A mulher na rua é uma figura instável, é claro, como o famoso desenho do pato-coelho, que demonstra as ambiguidades inerentes a percepção. Ela é uma flâneuse despreocupada ou objeto do olhar masculino, é um coelho ou um pato? A leitura mais interessante está no meio-termo, naquela área de tensão e atrito onde nossa provocação desafia as expectativas alheias. […] Aquele trote pela cidade, a brincadeira e a diversão citadas por Craig e Orkin mostram que podemos refazer o espaço. O espaço não é neutro. O espaço é uma questão feminista.
acho muito gostoso esse hábito de sair andando por aí observando o mundo. pena que no rio seja um tanto perigoso fazer isso…