No livro Como se encontrar na escrita, da Ana de Holanda, a autora fala que muitos alunos de seus cursos chegam até ela com medo de publicar e não serem lidos. Tem dois anos que li esse texto, mas lembrei dele um dia desses, porque estava pensando justamente o contrário: como deve ser angustiante o processo de saber que você está colocando um livro no mundo para ser lido. E, pior ainda, acompanhar o que é dito sobre ele.
Às vezes, lendo resenhas, participando de clubes do livro ou observando minha reação diante de alguns títulos, percebo que a gente tende a confundir o que é expectativa com o que é mesmo o projeto daquela obra. Não é raro que um livro com final aberto desperte a ira de alguém (vide comentário abaixo. rs) ou que um personagem com atitudes contestáveis, mas adequadas a seu tempo, desencadeie uma série de avaliações negativas.
Acredito muito na ideia de que o livro deixa de pertencer ao autor quando é publicado e passa a ser do público. É quem lê que vai atribuir os significados de acordo com as próprias vivências. Mas esse mecanismo de dar estrelas e classificar os livros entre bons e ruins pode gerar análises pouco justas com o trabalho de quem escreve.
Aqui em casa, temos o hábito de discutir quantas estrelas um filme merece no Letterboxd. O critério definidor é: qual era o objetivo desse filme? Não dá pra avaliar um filme do Almodóvar com a mesma régua de uma comédia romântica, ou de um filme do Adam Sandler. São projetos diferentes, que merecem, talvez, a mesma quantidade de estrelas. Um, por ser bonito. Outros, por cumprirem o objetivo de me fazer rir/chorar/divertir. Um caminho possível é aplicar um método parecido para os livros: “esta é uma boa obra para o projeto que está proposto?” ou “mesmo que eu esteja com ódio por não saber como aquela história poderia ter teminado, este é um livro que cumpre o que promete?”.
A gente tem todo o direito de não gostar de qualquer coisa por qualquer motivo, mas penso que esse caminho de adequar a avaliação à proposta de escrita é uma forma de ser muito mais justo, especialmente com quem não conta com grandes editoras para divulgar seu trabalho.
O QUE LI E INDICO:
Carta à Rainha Louca, Maria Valéria Rezende
O livro é narrado a partir das cartas de Isabel, que está presa em um convento, à rainha Maria I, conhecida como a Rainha Louca. Em uma linguagem própria à época, conta os absurdos cometidos pelos homens da Coroa contra mulheres e os escravizados no Brasil. É um livro com uma crítica interessante e um formato desafiador. Recomendo a leitura para quem está disposto a sair da zona de conforto.
Rilke Shake, Angélica Freitas
Poesia brasileira com altas doses de referências. Uma grande mistura mesmo. Gostei muito, mas é aquela coisa: não se lê livro de poemas uma vez só. Vou voltar nele algumas vezes ainda.
Compartilhei dois favoritos aqui:
Filha, Nayara Noronha
Conta a história de Estela e Elena, mãe e filha. Estela vive em Conceição das Gerais, cidade fictícia no interior de Minas. Elena, em São Paulo. As duas estão se preparando para assumir também os postos de avó e mãe, quando um aborto espontâneo surpreende a família.
~Quem me conhece, sabe~ que amo histórias de mães e filhas e essa é mais uma excelente. Foi, inclusive, finalista na categoria Escritora Estreante do Prêmio Jabuti. Boa descoberta do projeto Lendo o Brasil Contemporâneo.
Humanos Exemplares, Juliana Leite
Outro livro do projeto de autores contemporâneos. :) Neste, conhecemos a história de Natália, uma idosa centenária, que, enquanto atravessa o isolamento da pandemia, rememora seu passado. A prosa é um pouco poética, mas surpreendentemente, não me incomodou. Pelo contrário: achei a escolha de linguagem super interessante. Um trechinho aqui:
DIRETO DA PASTA DE SALVOS:
Este post da Noemi Jaffe. Também estou de olho no livro Escrita em movimento, publicado por ela.
A lista de livros infantis que a Salvo Conteúdo publicou.
Tenho adorado a troca de “cartas” entre o Caetano Gallindo e a Martha Batalha, na newsletter Opiniães. Segue lá!
Estou vendo e gostando muito da série História da Alimentação no Brasil, baseada no livro do Câmara Cascudo. Disponível no Prime Video.